quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Corpo esvaziado

De todas as vitórias que pude viver, essa foi a menos desejada.
De todos os instantes que quis evitar, o instante da virada - daquela que parece a virada de um interruptor, cujo estalo ilumina a sala, mas revela as sombras - aquele instante da virada foi o mais evitado de todos.

Porque sobreviver ao véu da insanidade e da morte é, no mínimo, uma vitória. Mas uma vitória cujo preço é o despertar de um sonho de cores ilusórias advindas de uma trama sinistra, um pouco embaçada por seu próprio excesso de ilusão. 

É como se meu cérebro houvesse estalado: clac! e veio a luz. E com a luz, revelou-se a sombra daquilo que parecia amor, mas não era.

Eu me agarro às fotos antigas, às músicas de outrora; vestígios do que um dia pude sentir ser eu, e que não mais é. Eu, que pensava discernir o genuíno da ilusão. Eu, que pensava já não ser ingênua demais, agora me retorço pra reencontrar isso que achava que já não havia, mas que havia demais: a inocência de acreditar na empatia, mesmo quando ela parece inexistir em alguns corpos.

Corpos podem ser vazios de várias maneiras. Porque existem corpos vazios que, de tão vazios, sugam até a última gota de outros corpos. Mas também existem os corpos esvaziados, esses que foram sugados por corpos vazios. Será que corpos esvaziados permanecem vazios, ou são capazes de se nutrir novamente?

Como distinguir corpos esvaziados de corpos vazios?

O que se vê no outro está no outro ou em nós? Por que esperamos tanto, nos esforçamos tanto pra provar pra nós mesmas que o que vemos no outro é o que o outro é? Porque não é, e nem será, e nunca foi.

De todas as mortes que pude viver, essa foi a mais insana. De todas as vitórias que pude viver, essa foi a mais dolorosa.



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