sábado, 4 de janeiro de 2020

Atrofia do amor


Por que as pessoas justificam atitudes “por amor”?
“Eu fiz o que achei que era melhor pra você porque te amo demais”
“Eu te controlo porque eu te amo demais”
“Eu encho sua cabeça de preocupações e paranóias porque eu te amo tanto que só quero te ver bem”

E quando você percebe que o amor que sempre recebeu e que sempre foi ensinada a oferecer é, no fim das contas, o triste resultado de corações partidos pelo abuso, de mentes condicionadas à inevitável negação de si mesmas, de existências fadadas à dor?

E quando você percebe que a dor pede justificativa - essa dor controladora que sempre te ofereceram vestida de afeto e cuidado - e que a única justificativa palatável é entender a própria disfunção dolorosa como amor?

E quando você se dá conta de que essa coisa que se diz ser amor sempre vem acompanhada de dor, como se a dor fosse um requisito necessário para amar, mas que na verdade só atrofia o amor? 

Como se desaprende a relacionar o afeto com o sofrimento? Por que é tão difícil perceber essa relação doentia? Por que é tão difícil rompê-la?

O que fica é a sensação de culpa por não aceitar do outro esse afeto doloroso, porque isso insufla ainda mais a dor no outro. E a culpa própria é também um indício de que se repete o mesmo padrão.

E quando você começa a ver as pessoas que ama com outros olhos, porque elas querem que você seja uma projeção do que elas mesmas gostariam de ser, mas não conseguem?

E quando você sente que esse ciclo sempre se repetiu e sempre se repetirá na sua vida, e que quando você reage a isso, tentando romper o ciclo, o abismo se mostra muito maior?

Minha amiga querida, eu só quero dizer que nada disso me surpreende mais, mas machuca.
Mãe, eu lamento muito, e me parte o coração.
Pai, a raiva de você sempre serviu de combustível pra me sentir viva, mas não mais, porque combustível é poluente que intoxica tudo. Agora já não sinto mais medo, e o que vejo é a caricatura decadente do que você nunca alcançou.


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