segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Sobre algo

De tantas coisas que eu poderia ou gostaria de dizer, hoje eu quero falar sobre algo cuja simples vontade de falar sobre já me atordoa. Os olhos que me encaram, livres e vivos, me fazem baixar a guarda de tanta carga e lembrança ruim. Por vezes, a memória do passado tenta invadir o recinto, mandando sinais de alerta contra qualquer aproximação: há coisas que eu não (me) permito mais, e muitas dessas coisas eu não sei se devo ou consigo voltar a permitir um dia. E quando a gente sente que toda a ideia de afeto que a gente tem é equivocada? Uma confusão entre apreço e sufocamento, entre partilha e fusão que despersonaliza? O que de tudo isso eu consigo discernir?

Não sei se algum dia existirá um nós nessa história, mas existe um eu, e um você, e olhares, e trocas. Existe alguma coisa que me faz querer dizer sobre. Existe um receio tipicamente ansioso de estragar tudo, de ir depressa demais, ou devagar demais, ou de não ir. Existem as inúmeras situações de gatilho, em que a memória se apodera do momento e me faz ter que lutar internamente para não deixá-la transparecer. Às vezes ela sai em forma de melancolias sutis, que me trazem de volta para o presente e me fazem perceber que aquele é um presente bom, e pelo qual sou grata.

Existe um sentimento tranquilo, diferente do que estou acostumada, diferente daquilo que sempre me fez confundir a típica ansiedade nauseante - daquelas que brotam no estômago e fecham a garganta - com aquela sensação de euforia que traz o frio gostoso na barriga. A ansiedade nauseante é aquela que o corpo sente quando a gente se envolve com quem a intuição pede o contrário - e como ela pede! ela grita em desespero, mas a gente escolhe ensurdecer. 

O frio na barriga, por sua vez, é o calor do corpo sussurrando suavemente para si: “vai; mas vai devagar, porque eu quero apreciar cada instante desse sentimento bom. Vai com receio, mas vai, porque cada um desses instantes bons vai sumir para o mundo, mas vai ficar em mim”.

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