sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Dissonância cognitiva

Sinto apertar o peito quando os olhos se vidram num passado que, vez ou outra, ainda me parece tão aterrorizantemente vívido. Me acomete o desespero de ter perdido tudo, tudo que nunca tive.

Por vezes, todas as constatações e o sentido que consegui dar ao que vivi desmoronam em dúvida que consome os poros. Lembranças de momentos bons, ou triviais, ou de convivência serena - porque sim, devo admitir que eles existiram, apesar de ser terrível relembrá-los - afundam minha mente na confusão daquilo que parecia ser, mas não era... ou talvez tenha sido, por algum instante.

No meio do turbilhão de lembranças que atraem outras semelhantes, e outras ainda, sinto-me incapaz de discernir o que realmente aconteceu. Perco a noção e o juízo sobre aquilo que vivi, e doí, e doei.

A mente vacila, sem saber para onde vai: ao rememorar momentos bons, vagueia pesada pela crença nebulosa de que o que se viveu foi real, de que havia afeto sincero, de que nada de ruim foi intencional. Ao seguir por essa trilha, minha mente conclui que compreendeu mal tudo o que foi vivido. Vejo-me insignificante e mesquinha, com a sensação de que deixei para trás algo que não deveria ter deixado.

Me esforço para afastar esse assombroso desejo de voltar para o passado ao me lembrar dos momentos ruins; daquelas recorrentes agressões e das típicas humilhações jocosas, que pareciam até ter data marcada. Recorro às lembranças das minhas piores dores, na tentativa de atenuar a dissonância entre o real e a ilusão à qual me entreguei de olhos fechados. Busco aflita por meu corpo, e por alguma sensação que me traga de volta ao presente.

Quando a dissonância vai embora, o que fica é a sensação da dormência mental. Sinto o corpo flutuando num vazio que não é leve, ressaqueado pela miríade de emoções que insiste em me pegar desprevenida. 

Ainda falta aprender como não ser algoz de mim mesma.

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